quinta-feira, 20 de maio de 2021

No conforto do lar...

Apreciamos especialmente causas gigantes, com voltas e mais voltas ao mundo, com um manancial de discursos inflamados, aproveitados por políticos desonestos a garantir que tudo farão para resolver os problemas da humanidade (sejam eles quais forem, excepto a falta de dinheiro onde ele faria mesmo falta). Mas vivemos num mundo onde a mudança depende de pequenos passos e conquista-se com o mérito de muitas pequenas acções, aparentemente insignificantes, como uma greve escolar à sexta feira, por uma miúda que, nunca desistindo, um dia teve um gigante holofote mundial e que não deixou de acreditar que a sua pequena acção podia fazer a diferença. 

As pequenas acções pelo ambiente podem ser realmente pequenas, como semear alfazema na varanda para alimentar abelhas. Mas também podem ser maiores, como manifestar a fúria contra determinado tipo de empresas gigantes mundiais que privarão os nossos descendentes de vidas justas. Pode ser uma escolha diária e informada consumindo alimentos de forma consciente e equilibrada. Pode ser uma atitude que tenta sempre recuperar o que é recuperável, reciclar o mais possível e dar tempo ao tempo. Deixar a angústia do dinheiro, trocá-la por tempo muito útil à humanidade, a plantar uma horta, a cuidar animais, a viver com os próximos. Pode ser um desígnio diferente, uma opção, por projetos artísticos, por leituras eternamente adiadas, por espetáculos de gente empenhada, enfim, por valorizar a poesia de sermos todos humanos e por isso eternamente responsáveis pela existência de arte no mundo.

No espaço das ideias pequeninas cabem todas as pessoas, mesmo aquelas que acham que pouco acrescentam à humanidade. Cada vez incomoda mais ao mundo a hipocrisia das pessoas cujo ego é imune à necessidade do próximo (que é tanto o vizinho do lado, como o emigrante marroquino a tentar chegar à Europa pseudo-civilizada), que são uns estafermos de pessoas, mas gostam de apregoar o bem, que são incapazes de calçar os sapatos do outro, mas adoram espalhar charme dócil nas redes sociais. A experiência diz-nos que o que move este mundo cínico em que nos encontramos é precisamente essa hipocrisia. 

Por isso, do conforto do lar, com todas as comodidades que nos cabem, e mesmo assim com a consciência pesada pela forma como o mundo gira, fazemos o que podemos para melhorar a cada dia e importamo-nos com assuntos por resolver e com pessoas com problemas reais, ao lado, na porta em frente, na mesa do canto, enfim, com o sentimento de cumprir o bem realmente (lições de vida que se aprendem com os pais e com os muitos seres maravilhosos com que nos cruzamos). Muitas vezes fazer o bem é dar um abraço a quem precisa...

Por isso aqui fica uma dúvida existencial (já com barbas): como é que se pode apregoar tanto a causas tão nobres do outro lado do mundo, e, em simultâneo, ser-se tão canalha com o comum mortal que está ao lado?

A vida é uma lição permanente!


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