quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Elefantes na Sala

Num dia qualquer de 2023, ah, espera, é que não é um dia qualquer!

É um dia 11 de janeiro, passam não sei quantos dias de promessas eleitorais sobre os apoios às artes, e também é o dia em que o ministro vai responder a um grupo de gente no Parlamento, que de arte percebe pevas, mas que vai usar argumentos oportunos contra um inexperiente ministro. 

Posto isto, sobre o apoio às artes, não interessa grande coisa ao comum dos portugueses, seja qual for o tipo de governo que tem este país. 

A massa crítica fundamental para avaliar um setor importantíssimo para o país, ainda mais importante para o turismo do país, e que só não exporta alguns Cristianos de várias áreas, porque não se sabe vender, é inexistente. 

As boleias que o turismo (que parece ter um orçamento sem fim, ao ponto de financiar quem sobre ele decide) apanha do património edificado (que tem falta de gente crónica desde que o Durão Barroso anunciou a tanga financeira e fugiu do país) é indiscutível, de tal forma que nos tempos covid, pós confinamentos, foi possível ver a fachada dos Jerónimos sem filas de guarda chuvas (não interessa se é verão ou inverno, os japoneses é que dominam o manuseio do guarda chuva), foi possível entrar no Museu de Arte Antiga e até ouvir mentalmente alguns personagens do Bosh, foi possível visitar o Palácio da Pena comprando bilhete e entrando, em vez de ficar 2h30 numa fila de espera para ter que olhar para salas entre cotoveladas de transeuntes, isto só em Lisboa. O que é que o património edificado ganha com o volume de turistas que invadem o país? Pouco o nada, agravando ainda mais a necessidade de manutenção, e exercendo uma pressão imensa sobre as estruturas, com recursos humanos e meios que nem para o funcionamento dos anos 90 do século passado chegavam.

E sobre as artes performativas, o que dizer? Temos salas com público, notável e crescente, mas as estruturas não recebem um apoio real e efetivo para a manutenção das salas. O que faremos quando as estruturas existentes desistirem das salas que ocupam e passarem a nómadas (coisa que já acontece com os coletivos do novo milénio), como se manterá a possibilidade de terem um espaço físico para se apresentarem. Se mantivermos a coisa como domínio das autarquias, o que acontece desde sempre, o ciclo não se quebra, os amigalhaços do costume manterão a sua atividade artística, os críticos do costume terão que se encolher até que o poder político dê a volta. E a liberdade criativa, onde anda? E o poder dizer que se fez um grande espetáculo de teatro (e temos visto muitos!) que batia em tudo e em todos, mas que pôde existir porque não houve interferências indevidas.

Queremos falar de música? Os promotores de festivais tomaram o país de assalto, vendem eventos para turistas (para quem os bilhetes até são muito baratos), mas o grosso das infraestruturas que montam depende de financiamento autárquico, da boa vontade dos habitantes locais e de uma enorme máquina de marketing. Onde estão os músicos portugueses de jazz, de clássica, de eletrónica, de propostas alternativas, na programação das mesmas autarquias que apostam em grandes festivais? Onde está o espaço para os artistas se apresentarem, sem que isso tome de assalto o bolso do público? Onde estão os bilhetes a preços aceitáveis para os contribuintes portugueses, que indiretamente apoiam com o financiamento das autarquias onde residem, a realização destes mega eventos? Acham que é pouco? Quem paga a limpeza urbana? Quem paga a disponibilização de água potável e energia elétrica dentro dos recintos? Muitas vezes, quem fornece infraestruturas para as diferentes ofertas (da comida às bugigangas) que cada evento destes oferece? And so on...

E sobre a arte urbana, de rua, que entretanto ocupou boa parte das nossas cidades? Temos vários e muito bons artistas que, ao contrário dos restantes, têm o controlo da apresentação ao público, porque não há como esconder os objetos que produzem. Mas e a valorização deste trabalho? Quem é que valoriza, quem é que explica ao poder político deste país (cheio de velhos, com ideias velhas e sem visão para o futuro) que este tipo de arte traz consigo um entendimento explícito e um sentimento de pertença, muito difícil de explicar a quem não sai de gabinetes de engravatados e quando se desloca na cidade vai de motorista a 200/Km hora para chegar ao assunto seguinte.

Podíamos continuar a falar sobre cada uma das áreas e cada uma áreas e das suas dificuldades. Podíamos dizer que a iliteracia é um fenómeno que alimenta a falta de exigência para com os sucessivos "ocupantes" do Palácio da Ajuda e tomadores da pasta da cultura, desde que ela existe.

Mas, os políticos, em geral, olham para as manifestações culturais como oportunidades para melhorarem a imagem da chafarica que dirigem (seja o Estado central, seja o poder local), os artistas olham para os políticos como oportunistas que usam e abusam do poder, e enquanto andamos nisto, um sem número de gente continua a remar contra a maré, a não baixar os braços e acreditar que a arte pode e deve mudar o mundo.

Aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos.


Um abraço felino,

Zorbas

O gato grande, preto e gordo.

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