quarta-feira, 29 de abril de 2020

Era uma vez...

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Quarentena - dia 38

O populismo grassa em ambientes saturados de verdades absolutas e de necessidades básicas por satisfazer. 
Estamos em tempos difíceis, também são cada vez mais difíceis os meios para lidar com esta virose universal. O desmaio colectivo, com a clausura doméstica, tem provocado um certo entorpecimento mental. Contudo, é preciso organizar o discurso para desmanchar uma retórica populista, que consome tempo e energia, muito úteis para o que se segue.
Bem gostaríamos de acreditar num mundo melhor, depois desta clausura forçada, mas a verdade é que depende de todos. 
Eu, excepção num país que tem a expressão "são todos iguais" colada a qualquer pessoa que se sente num lugar político, acredito que os políticos não são todos iguais, não fazem todos o mesmo e que é obrigação individual perceber que escolhas fazer e quando.
É fácil dizer que são todos iguais e embarcar nas palavrinhas tontas dos gajos que vão para a Assembleia dizer disparates só porque lhes caiu no colo aquele lugarzinho. Os mesmos que gritavam pela privatização dos serviços de saúde, e agora estão a piar fininho, porque não interessa. Os mesmos que sentem comichão por celebrar uma data de Liberdade com solenidade merecida, mas que não se conseguirão conter ao primeiro jogo num estádio de futebol para largar verborreia contra o  plantel de adversários 99% estrangeiro.
O fenómeno é universal por isso para os que acreditam nas palavrinhas fáceis dos gajos que querem lavar o pulmão com lixívia e construir muros contra os países vizinhos porque a lotação do país fechou para balanço (ah espera, os vizinhos construíram mesmo o muro para conter um vírus indesejado e até nem se importaram com isso); os que acreditam no Reino (des)Unido como um paraíso atlântico e orgulhosamente só (que depois disto será o país das contas em dia, só que não, porque entretanto precisam de emigrantes para fazer girar o motor da economia e precisam do resto do mundo para entupir com as merdas By appointment to Her Majesty The Queen); os acreditam em governantes mafiosos, que dispõem da causa pública para a reforma dourada que se segue; os que acreditam naqueles políticos que promovem golpes de estado contra si próprios para limpar do país os que não se calam; os que acreditam que o mundo termina no seu quintal e que algures entre a china e a Coreia do Sul está só um tipo com um penteado esquisito, que parece que herdou o trono do pai, que por sua vez herdou do avô (só que não é uma dinastia de reis, parece que é outra coisa, surpreendente); os que acreditam que os venezuelanos elegeram um visionário, substituído por outro visionário que se auto-impôs e ali se manterá até que lhe apeteça (que começa a fazer escola no resto da América Latina); os que acreditam nos discursos podres dos que usam os refugiados como moeda de troca para fazer valer os seus interesses e culpar a Europa por todos os males do mundo; os que acreditam em lugares onde os direitos das mulheres são uma miragem e uma boa parte de educação se faz a partir de versões de textos religiosos interpretadas como armas de arremesso; os que acreditam no pseudo mentor de seita, criminoso ambiental porque deixou queimar os melhores recursos naturais do seu país e pelo meio foi espalhando charme destruindo uma réstia de esperança para alguns que tinham acabado de sair da pobreza; os que acreditam que a Rússia  está ferida desde o século passado, merece um futuro melhor e só vai lá com a mão de ferro de alguém; os que acreditam nos petro-dólares e nas vantagens de poder escolher que países se pode deitar a baixo com eles; os que acreditam que para mudar o mundo é preciso mais nacionalismo, muita gesticulação nas redes sociais, menos imprensa livre e tribunais com mãos de ferro, com um mundo de gente pobre a sustentar meia dúzia de ricalhaços, pois bem, há maravilhosas notícias para todos. 
A história do mundo é bastante esclarecedora sobre fenómenos colectivos, as verdades universais não existem, mas os fenómenos tendem a repetir-se e só é preciso alargar as vistas e a cronologia da nossa existência para ver o cenário a longo prazo. 
As cenas dos próximos capítulos são bastante previsíveis. 
Portanto, para retirar algo de útil desta clausura é ler um compêndio de história, pode começar-se com o Império Romano, se o tempo de quarentena não fôr suficiente para olhar outras latitudes. Os impérios a oriente são também muito elucidativos em matéria de ambição humana. Para os curiosos exóticos há sempre o Egipto e o berço da civilização no médio oriente, com desenvolvimentos posteriores muito interessantes lá pelo tempo da Idade Média europeia. As epopeias de conquistas por esse mundo fora, independentemente das suas origens e destinos, são fontes inesgotáveis para a história das relações entre povos e para a percepção do poder no mundo.
É isto. A natureza humana é muito previsível.


Um abraço felino,
Zorbas,
O gato de luto.

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