terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Será que a mensagem chega ao visado? Ou então é mais uma daquelas mensagens em entrelinhas que bem conheço...

in Expresso.pt - Segunda-feira, 25 de Jan de 2010
Alexandra Carita

Museu de Arte Popular já custou mais de €3 milhões

É uma das bandeiras da ministra da Cultura. Vai abrir este ano mas ainda não tem programa definido. Já custou €3,3 milhões em obras de reabilitação e ninguém sabe dizer quanto será ainda preciso para o pôr a funcionar. O que é e para que serve o Museu de Arte Popular?


São 13 mil objectos. Foram recentemente inventariados por uma equipa do Museu Nacional de Etnologia, em cujas reservas estão albergados desde há dois anos. Constituídos em núcleos que correspondem a uma multiplicidade de actividades artesanais - da cerâmica à olaria, do pastoreio à agricultura ou às pescas, passando pelos têxteis, mobiliário, transportes, brinquedos, cestaria, latoaria, ferragens e pela expressividade popular associada ao religioso.

Fruto de uma recolha iniciada uma dúzia de anos antes da inauguração do Museu, em 1948 (oito anos depois da realização da Exposição do Mundo Português para a qual o edifício foi construído), e com o intuito de dar a conhecer a diversidade de um país organizado por cinco grandes regiões, esta monumental colecção foi sendo alargada ao longo dos anos, sempre carente, no entanto, de uma contextualização ou interpretação.

Cada objecto vale por si, sendo que na sua maioria, se destaca apenas o seu valor estético e decorativo em detrimento da sua funcionalidade. Muitas são as peças feitas por encomenda, em série, e trabalhadas a partir de modelos pré-existentes. O objectivo era exibir o Portugal de então através de um discurso propagandista. Era essa, de resto, a função do SNI (Secretariado Nacional de Informação) que se ocupava do Turismo e da Arte Popular durante o Estado Novo.

Esse contexto político e ideológico é uma das vertentes que o novo Museu de Arte Popular (MAP) quer explorar, dele mantendo um memória tornada viva através de uma análise mais aprofundada das suas implicações históricas e artísticas. A ideia é de Andreia Galvão, a nova directora do MAP nomeada para o cargo pelo Instituto de Museus e Conservação há um mês. "Essa síntese de Portugal criada no período de 40 tem que estar aqui. É necessário que se interprete esse período político detentor de uma ideologia forte e de um espírito de propaganda ímpar que defendia o Portugal idílico e pastoril, o homem e o herói rural e que o comunicava de forma fantástica. Comunicar é uma das obrigações maiores dos museus. Este tem que contar essa história."

Conceito à moda do Antigo Regime

É por isso que se vai manter o conceito de arte popular criado por António Ferro director do SNI à época) e que se resume a um retorno à essência, numa ligação naïf entre a forma e a funcionalidade, avançando ao mesmo tempo algumas pressupostos do modernismo muito apoiados no trabalho cenográfico de nomes como Carlos Ramos, Jorge Segurado, e do trabalho de artistas como Tom ou Barradas.

Mas será possível aliar arte popular (arts and crafts après la letre) e arte contemporânea, outro dos reptos de Andreia Galvão? A directora acredita que sim. Basta "aliar o sentido romântico e etnográfico da colecção a uma visão mais moderna da arte popular". No fundo é juntar o pitoresco e a modernidade e difundi-lo, "no sentido democrático da cultura". Significa isto atrair ao MAP várias faixas etárias e sociais, "sem transformar o museu num disney world", mas equipando-o das mais avançadas tecnologias multimédia, a funcionarem de igual para igual com a "memória do edifício" preservada pelos frescos, murais, ditos escritos nas paredes, vitrinas e armários de 40.

A história do edifício e a sua memória

Confuso? Muito. Mas atenção, trata-se de um "work in progress" que ainda só tem bases teóricas. É preciso experimentar, primeiro. O edifício é a primeira preocupação de Andreia Galvão, ou não fosse ela arquitecta. "A minha missão agora é criar condições para que esta casa possa vir a albergar o acervo. Em primeiro lugar, quero torná-lo apetecível, para que as pessoas venham, gostem e voltem. Quero que seja um espaço confortável.

É urgente um projecto arquitectónico que resolva o projecto museológico. Mas confesso que ainda não tenho o programa do museu. De momento o que tenho são paredes. A colecção está toda por estudar. Mas congratulo-me pelo edifício estar salvo. Acudiu-se às coberturas e ao pavimento e o espaço que nasceu efémero tornou-se permanente, teimou em ficar como memória da primeira grande exposição que se fez em Lisboa e que teve um impacto tão grande ou maior do que a Expo 98."


Três milhões não chegam

Gastaram-se mais de três milhões de euros, financiados em 50% pelo POC, dinheiros comunitários. Há agora a garantia, avança Andreia Galvão, de que a tutela (Ministério da Cultura) fará a dotação necessária para que as obras se concluam e o museu abra condignamente as portas. Será faseadamente. "A partir do momento que estejam reunidas as condições de segurança e de receptividade do público, a comunidade poderá entrar", diz.

A ideia é a da "obra de arte total" (explorada pela escola alemã Bauhaus no início do século XX). Poderá haver visitas guiadas ao edifício enquanto se restauram os frescos e muitas outras actividades, incluindo performances de várias disciplinas artísticas. A filmagem das intervenções é outro projecto associado à criação de um site que as transmita em tempo real.

Uma casa de Turismo

Para mais tarde fica a vontade de adjudicar ao MAP um carácter turístico forte, à imagem, mais uma vez, do SNI. "Gostava que o museu pudesse ser uma embaixada do país. As parcerias com as regiões de turismo são interessantes para poder ter aqui e mostrar o melhor que se faz no país, sem cair na feira!". Um espaço gourmet, porque "a gastronomia também é cultura" está também em cima da mesa. Como também se pensa em parcerias com universidades e com outros museus portugueses e internacionais. Será para quando o serviço educativo já estiver a funcionar.

Problemas por resolver

Ideias em catadupa! Para discutir, ir discutindo e testando. Porque para resolver estão problemas muito sérios. O edifício não contempla um espaço de reservas, não tem áreas de restauro, nem de investigação, nem de interpretação, onde colocar o equipamento multimédia que porá os pontos nos i sobre a história daquele território.

Só ainda ninguém pensou que o acervo que voltará ao MAP é exactamente da mesma natureza do acervo do Museu de Etnologia. Ninguém parou para olhar as colecções e perceber a sua duplicação, a sua complementaridade também. Uma tarefa talvez complexa para os especialistas, mas perceptível ao olho comum numa única visita aos objectos alinhados lado a lado nas reservas de Etnologia.

Serão mesmo precisos dois museus? Quem tomou a decisão mais precipitada, Isabel Pires de Lima ao mandar encerrar o MAP, ou Gabriela Canavilhas ao decidir reabri-lo?

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