domingo, 21 de maio de 2006

O supermercado é uma escola da vida!...

Uma hora de compras num supermercado pode revelar-se num óptimo estímulo para pensar nas coisas consideradas indispensáveis para a nossa existência. A primeira vez que reparei objectivamente no valor do Imposto de Valor Acrescentado (vulgarmente conhecido como IVA) foi no dia que resolvi oferecer fraldas a uns amigos que aderiram à aventura da paternidade, e que no caso deles foi de facto uma aventura já que de uma só vez foram pais a dobrar...
Nesse dia, quando me dirigi à secção infantil e me deparei com o valor do IVA associado a todos os produtos ali expostos fiquei surpreendida com a variedade de coisas consideradas dispensáveis (segundo os parâmetros do IVA) para a pequenada. As fraldas descartáveis são dispensáveis, este país precisa de um estímulo ecológico para lavar fraldas de criança no já esquecido tanque da roupa. Como seria de esperar, a gama de produtos de higiene infantil também é completamente dispensável, já que mantém os mesmos 21% que as fraldas. A roupa, seja de que tipo for, também entra neste lote, já que a pequenada pode perfeitamente andar como veio ao mundo e sem tomar grandes banhos para não pagar imposto (de qualquer forma todos tivemos um estágio de uns meses na barriga da mamã, que nos serviu de banho para o resto da vida, esperemos!) os brinquedos são igualmente dispensáveis! Portanto, crianças, a vossa existência, segundo estes parâmetros, resume-se a beber leitinho e água, de preferência da torneira que é "mais em conta" e podem também ler um livrinho, de vez em quando.
Continuei depois pelo supermercado fora constatei que devemos todos estar muito enganados quanto a prioridades! Imagine-se que os produtos de limpeza todos têm 21% de IVA, seja para a casa, para pessoas ou animais. Portanto, ao abrigo deste imposto, devemos fugir de qualquer tipo de limpeza, esta é completamente dispensável e fútil na nossa existência (se eu soubesse disto quando me obrigavam a arrumar e a limpar o quarto!), andemos sujinhos e quanto à casa chega varrer (as vassouras têm evidentemente 21% de IVA, mas vamos lá, são uma excentricidade e podemos comprar apenas uma para o resto da vida), tudo o resto é apenas mariquice moderna. A higiene íntima é também um pouquinho problemática! Vejamos: o sabão, mesmo o reles azul e branco, é dispensável, assim como o sabonete para o banho, o champô, a pasta de dentes, os produtos para a barba, os pensos higiénicos, e todos os suplementos ritualísticos diários de cada um. Mas a cereja no topo deste bolo é mesmo o papel higiénico, completamente inútil, ao que parece, segundo as normas do IVA, com a sua percentagem de 21% de imposto, mesmo aquele reles de uma única folha que arranha o rabo (cuidadinho com o que comem, qualquer diarreia pode significar um tombo no orçamento doméstico).
Cheguei depois à secção alimentar e descobri a percentagem de 12%! Meus amigos é melhor beber vinho do que tomar banho! Agora percebo o conceito de SPA vinícula! Também é melhor comer pão com a percentagem de 5% de IVA, do que cereais de pequeno almoço com 21% (não sei onde os nutricionistas estão com a cabeça) e leitinho também pode ser, mas sem nada porque tudo o que se junta ao leite é dispensável. Pode sempre beber-se leite lendo um livrinho de como perder peso de forma inteligente, mas estimular o ouvido com cds, mesmo que sejam de auto-ajuda com pan pipes ou baleias, para se conseguir enfentrar um doméstico drama orçamental, impossível e proibitivo! Leite, vinho e pão tudo bem, mas nunca cereais de pequeno almoço! Afinal sempre há um fundo de razão no consumo de sopas de cavalo cansado (com pão e vinho)!
Mas, ainda melhor que beber vinho é: pan pan pan pan... pausa cénica, COCA COLA! Nem mais, é indispensável na nossa alimentação diária, assim como o arroz, as batatas, as cenouras, a couve, os brócolos, a fruta, o atúm de conserva, as massas de qualquer tipo, algumas bebidas mais ousadas, e pasme-se, é melhor que iogurtes, queijo, ou mesmo manteiga!
Portanto, como conclusão desta ida ao supermercado eu resolvi consumir apenas produtos com percentagem de IVA aceitável, e como calculam, não me posso lavar, não posso ir à casa de banho, esse tipo de necessidade fisiológica é absolutamente inútil (faz-nos perder tempo e dinheiro), passei a beber leite sem nada, vinho e coca cola, e como é evidente, aboli as prendas infantis!
Agora a sério, quem são as pessoas iluminadas que decidem sobre estes assuntos? Estou absolutamente intrigada com a sobrevivência de alguns produtos alimentares! A ideia de multinacional imperialista como explicação para a percentagem incrivel de imposto na coca cola acho que não é suficiente, a Kellogs também anda por aí e vende que se farta! É claro que não tem anúncios charmosos e o apoio dos tipos dos restaurantes, dos mais finos aos tascómetros, a promover a importância dos cereais de pequeno almoço a acompanhar uma bela refeição, como fazem para nos impingir bebidas e sobremesas. Digamos que falta à Kellogs aquela máxima que começou com o champô do dois em um, não apenas cereais, mas outra coisa qualquer, como o refrigerante medicamento e em simultâneo desentupidor de canos... Bom, têm sempre o milho transgénico e aparentemente saudável, devidamente regulamentado pela nossa União Europeia, mas pelos vistos não chega!
Também não percebo como é que as marcas do papel higiénico ainda não se lembraram de mandar mensagens subliminares aos políticos nos rolos de folha dupla, podiam incluir na promoção das marcas um item exclusivamente político, apenas vendido em ministérios e secretarias de estado, de preferência ligadas à gestão dos impostos e à economia em geral, a reivindicar o estatuto da coca cola!
Mas quem é que decidiu que era mais importante o consumo de refrigerantes que o de papel higiénico? Já agora, quem é que achou que não precisamos de tomar banho, mas podemos cultivar o gosto pela leitura com livros e jornais? Acho que a leitura é importante e desenvolve o cérebro, mas não pensaram também nos riscos de entupimento dos esgotos que se correm ao estimular este exercício. O povo lê, mas pouco, e aquilo que melhor se adapta ao nosso panorama nacional actual é a leitura de contas de supermercado, não se lêm muitos livros como é sabido. Por isso, cada vez que alguém olha para uma conta (em papel que não é biodegradável) e pensa que se esqueceu de papel higiénico (com os seus 21% de IVA), então destina ao nobre talão um fim útil, para não ter que pagar mais nada!

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